Em gênesis 2:20 lemos que Adão se pôs a dar nomes às criaturas. Identificar as formas é um dos primeiros comportamentos humanos. Criancinhas começam a falar apontando e dizendo o nome das coisas. Como humanos categorizamos, classificamos, conceituamos, denominamos, separamos as características em grupos, conjuntos e, depois procuramos encaixar cada coisa no seu lugar, como peças de um imenso quebra-cabeça.

Errar é humano. Durante o processo de entender o mundo ao nosso redor, cometemos erros: nos equivocamos, tiramos conclusões precipitadas, confundimos as coisas, nos iludimos com as aparências e, infelizmente, muitas vezes acabamos rotulando tudo a partir dessa equivocada visão de mundo.  Neste caminho, opiniões equivocadas nos levam a decisões equivocadas e a consequências ruins. Então, sem entender como,  nos vemos envolvidos em problemas.  Assim acontece também com O Louco (padrão Marselha) que, inconsciente de que suas convicções estão equivocadas,  não sabe onde errou, não entende porque as coisas acontecem com ele, não consegue traçar uma linha causal e confuso, se considera vítima do destino (Roda da Fortuna).

O Louco (padrão Marselha) não tem consciência de que é ele quem gira a Roda da Fortuna (arcano X). Já O Mago (padrão RWS), com os potenciais dos 4 naipes sobre a sua mesa,  é capaz de entender essa relação de causa e consequência e usar as leis da natureza a seu favor. Com o entendimento que o Mago (padrão RWS) tem das forças da natureza, os cientistas criaram a tecnologia. Os milagres tecnológicos de hoje, outrora poderiam ser chamados de magia. O que é o controle remoto, se não uma varinha mágica?  Com ele na mão podemos comandar o som, a TV, as lâmpadas, o portão eletrônico, o aeromodelismo e muito mais. O que são os dispositivos de comando de voz, de inteligência artificial, como a Alexa, por exemplo? Bastam algumas palavras e nossa vontade é atendida. A humanidade chegou a era dO Mago (padrão RWS).  O que, aos olhos de uma criança, pode parecer magia, aos olhos da ciência é a aplicação inteligente das leis da natureza.

Apesar da humanidade como um todo ter dominado a natureza, a população ignorante vive como O Louco (padrão Marselha), ou seja, inconsciente das leis que regem a vida. Enquanto alguns Magos (arcano I) puxam o vagão do progresso tecnológico, a grande população de Loucos (arcano zero) é rebocada nos vagões seguintes como massa de manobra, fazendo o que a TV diz para fazer, seguindo, sem pensar, os influenciadores, os pensadores, as autoridades, o governo. Os Loucos são aqueles que não se tornaram Magos,  que apenas se sentam na janelinha e se deixam levar.

O Tarô Mitológico

O Louco (padrão Marselha) é primitivo não tem conhecimento nem autoconhecimento. O seu entendimento das leis da vida é quase nulo. Ele age mais por instinto e medo do que por consciência.  Essa é a imagem dO Louco de Marselha. Paradoxalmente, Arthur Waite fez do seu Louco um príncipe celestial, o vestiu com trajes elegantes e perfumados e o fez quase andar no ar. Além disso, o dispôs entre o arcano XX, o Julgamento e o arcano XXI, o Mundo. Essa roupagem do Louco (padrão RWS) confundiu o imaginário popular e, essa  é a razão de O Louco no padrão Marselha e O Louco no padrão RWS não terem qualquer semelhança. O arquétipo dO Louco (padrão Marselha) foi substituído por Waite pelo arquétipo do príncipe celestial, do espírito elevado que passeia pela fisicalidade.

Nas palavras de Waite, em seu livro de 1911, A Chave Ilustrada do Tarô, O Louco é acompanhado por anjos que o segurariam caso ele saltasse do precipício. Diz ainda que “seu semblante está repleto de inteligência e sonho esperançoso.” Essa versão distorce o arquétipo do Louco padrão Marselha e o transforma em seu oposto. De espírito primitivo e inconsciente, O Louco (padrão RWS), num salto quântico evolutivo, se torna um espírito iluminado.

Os arcanos maiores são apresentados numa ordem hierárquica crescente, do menor para o maior, dO Mago para O Mundo. O Louco (padrão Marselha), sem número, por não seguir as regras sociais, estava fora da hierarquia, não fazia parte do ordenamento social. De certa forma, O Louco (padrão Marselha) representava o  caos antes da ordem. Sem a razão para ordenar, classificar e colocar tudo no seu lugar, o mundo não fazia sentido para O Louco (padrão Marselha). Quantos de nós, ainda hoje, nos sentimos como O Louco (padrão Marselha), achando que o mundo não faz sentido? Quantas vezes não conseguimos ver a ordem como eixo da Roda da Fortuna? Quantas vezes nos parece que o mundo está de pernas para o ar?  Será que o mundo emborcou ou somos nós que estamos amarrados pelo pé, pendurados de cabeça para baixo como O Enforcado? Quando tudo está confuso, pegamos nossa lanterna e saímos buscando a verdade. Vestimos a túnica do Eremita (arcano IX), pegamos nosso cajado e numa busca, muitas vezes  solitária, saímos numa jornada espiritual de autoconhecimento, na esperança de que o pensamento de Sócrates que diz: Conheça-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”, seja verdade.

Assim como Waite fez uma nova versão para O Louco, ele fez também uma nova versão para O Mago.  Enquanto no padrão Marselha, O Mago é um artista de rua, um mágico, um prestidigitador, O Mago de Waite é um médium que canaliza a energia do alto para a Terra.  Segundo Waite, ele não apenas canaliza as energias do alto, como também comunica ao mundo os dons e os poderes espirituais dos quais tem a posse. Nas palavras de Arthur Waite, em A Chave Ilustrada do Tarô, “ele mostra a descida da graça, virtude e luz, retirada das coisas acima e recebidas pelas coisas abaixo”.

A jornada  consciente dos arcanos maiores começa pelo  Mago (padrão RWS), arcano I, passa pelo Eremita (arcano IX) e pelo entendimento de como a Roda da Fortuna (arcano X) gira. Comportamentos como o entendimento correto do mundo ao nosso redor, o raciocínio claro, a percepção da verdade, a queda dos véus das ilusões (A Torre XVI), a visão do encadeamento dos fatos, os ciclos viciosos e virtuosos, a descoberta das causas do passado geradoras da paisagem de hoje, a ação consciente de hoje gerando o destino de amanhã, são comportamentos que nos colocam mais próximos dO Mago (padrão RWS) e mais distantes dO Louco (padrão Marselha) inconsciente e supersticioso. Essas habilidades nos dão a capacidade de sermos senhores do nosso destino (Roda da Fortuna – padrão RWS) e cocriadores da vida a nossa volta.