O Tarô, desde os primórdios, segue um padrão com relação à numeração das cartas, que diz que as primeiras valem menos do que as últimas. Os primeiros produtores de baralhos de Tarô estipularam a ordem numérico do baralho, isso variava de cidade produtora para cidade produtora. O Tarô padrão Marselha traz uma ordem que se tornou predominante nos últimos séculos. Essa ordem numérica é importante porque muitos estudiosos buscam associá-la à jornada de desenvolvimento pessoal na qual o protagonista desenvolve suas habilidades a medida que passa por sucessivas experiências. Seguindo essa linha de raciocínio, os primeiros arcanos do tarô representariam as fases iniciais do desenvolvimento, enquanto as últimas cartas, o final do processo. A partir disso, conclui-se que o arcano 0 e o arcano I estão no princípio da jornada. Assim sendo, não poderiam representar estados de consciência mais elevados como sugere Arthur Waite em seu livro a “A Chave Ilustrada do Tarô”, na qual tanto o Mago quanto o Louco são descritos como figuras de condição espiritual superior.
O Tarô Rider-Waite-Smith , publicado em 1910, traz mudanças na caracterização de alguns arcanos em relação ao Tarô de Marselha do século XVI. O Mago, por exemplo, assumiu algumas características que o associam à imagem do canalizador ou médium, xamã ou sacerdote, este último papel exercido pelo arcano V, O Papa ou Hierofante. Isso além de alterar a imagem do Mágico, pode confundir a imagem do Hierofante.
O Mágico, no Tarô de Marselha, é um artista de rua, um saltimbanco, um homem do povo que faz pequenos truques de prestidigitação. É ele quem dá os primeiros passos na longa jornada da evolução espiritual. Por esta razão ele inaugura a jornada dos arcanos maiores.
O arcano I, na função de mágico, se aproxima da imagem do homem comum, o que não acontece quando está associado à imagem do Hierofante. Como Hierofante ele se torna parte de uma casta, de uma elite, o que pode dar a impressão de que o poder transformador não é para o homem comum, e sim para um iniciado, para um grande sacerdote.
O fato do Mágico ocupar o arcano I mostra que socialmente, ele ocupa a base hierárquica de uma sociedade na qual O Papa, o arcano V, ocupa o topo da hierarquia. Por estar na base da sociedade, o Mágico representa o cidadão comum, o homem do povo, capaz, como todo ser humano, de transformar o mundo a sua volta a partir da própria vontade. Ele ainda não é um grande mago, por isso faz truques de mágica.
Arthur Waite, com sua caracterização do Mágico, fez dele um iniciado, um canalizador das forças superiores. Waite escreveu em seu livro “A Chave Ilustrada do Tarô”:
“Uma figura jovem no manto de um mágico, tendo o semblante do divino Apolo, com sorriso de confiança e olhos brilhantes. Acima de sua cabeça está o misterioso sinal do Espírito Santo, o sinal da vida, como um cordão sem fim, formando a figura do 8 em posição horizontal. Em torno de sua cintura há um cinturão de serpente, a serpente parecendo devorar sua própria cauda. Isso é familiar para a maioria como um símbolo convencional da eternidade, mas aqui indica mais especialmente a eternidade da realização no espírito. Na mão direita do Mago está uma varinha levantada para o céu, enquanto a mão esquerda está apontando para a terra. Esta posição corporal é conhecida em graus muito elevados dos Mistérios Instituídos; mostra a descida da graça, virtude e luz, vindas das coisas de cima e levadas para as coisas de baixo. A sugestão é, portanto, a posse e comunicação dos Poderes e Dons do Espírito. Na mesa em frente ao Mago estão os símbolos dos quatro naipes do Tarô, significando os elementos da vida natural, que repousam como fichas diante do adepto, e ele os adapta conforme sua vontade. Abaixo estão rosas e lírios, oflos campi e lilium convallium , transformadas em flores de jardim, para mostrar a cultura das aspirações. Esta carta significa o motivo divino no homem, refletindo Deus, a vontade na liberação de sua união com o que está acima. É também a unidade do ser individual em todos os planos, e em um sentido muito elevado, o pensamento em sua fixação. Com referência adicional ao que chamei de sinal de vida e sua conexão com o número 8, pode-se lembrar que o gnosticismo cristão fala do renascimento em Cristo como uma mudança “para a Ogdóade”. O número místico é denominado Jerusalém acima, a Terra que flui com Leite e Mel, o Espírito Santo e a Terra do Senhor. De acordo com o Martinismo, 8 é o número de Cristo.
Da mesma forma, Waite alterou a imagem do Louco de Marselha e o colocou no final da jornada evolutiva como alguém que quase flutua no ar, um iluminado despreocupado com os perigos desse mundo, que nada teme, pois sente como se anjos o amparassem caso saltasse do abismo. Waite escreveu em seu livro “A Chave Ilustrada do Tarô“: “A orla que se abre nas profundezas não tem terror; é como se os anjos estivessem esperando para sustentá-lo, se acontecesse de ele saltar das alturas.” E continua:
“Com passo leve, como se a terra e seus obstáculos tivessem pouco poder para contê-lo, um jovem em vestes suntuosas encontra-se à beira de um precipício entre as grandes alturas do mundo; ele examina a distância azul diante dele – sua extensão de céu, e não a perspectiva abaixo. Seu ato de andar ansioso ainda é indicado, embora ele esteja parado no momento; seu cachorro ainda está saltando. A orla que se abre nas profundezas não tem terror; é como se os anjos estivessem esperando para sustentá-lo, se acontecesse de ele saltar das alturas. Seu semblante é cheio de inteligência e sonho esperançoso. Ele tem uma rosa em uma das mãos e na outra um bastão caro, do qual pende sobre o ombro direito uma bolsa curiosamente bordada. Ele é um príncipe do outro mundo em suas viagens por este mundo – tudo em meio à glória da manhã, ao ar livre. O sol, que brilha atrás dele, sabe de onde ele veio, para onde vai e como voltará por outro caminho depois de muitos dias. Ele é o espírito em busca de experiência. Muitos símbolos dos Mistérios Instituídos estão resumidos nesta carta, que reverte, sob altas garantias, todas as confusões que a precederam.”
A localização do arcano zero, no Tarô de Waite, coloca o Louco às portas do Mundo, arcano XXI, enquanto, tradicionalmente, o Louco encontra-se antes do início da jornada, antes do arcano I, O Mago.
No Tarô de Marselha, o Louco é um imputável, alguém para quem as regras da sociedade não se aplicam. Um marginal, alguém de quem não se exige que observe as mesmas responsabilidades e obrigações dos demais.
Para Waite, no entanto, o Louco é um iluminado que atravessou o portal do arcano XXI e está numa categoria espiritual acima da categoria humana: “Ele é um príncipe do outro mundo em suas viagens por este.” Este papel de príncipe do outro mundo, de um ser além da condição humana, faz lembrar a figura da alma, no arcano XXI, O Mundo, que dança feliz e triunfante ao cruzar o portal, em forma de mandorla, que une os reinos humano e divino e, assim atinge o paraíso e a felicidade espiritual permanente.