AS DEFESAS

DESCRIÇÃO

No arcano Nove de Paus vemos um rapaz alto e forte, montando guarda diante de uma barreira composta por oito bastões. O rapaz está vestindo uma curta túnica vermelha sobre uma camisa branca, de mangas longas, dobrada até o cotovelo. Além disso, na cintura ele usa uma faixa preta como cinto. Ele calça botas verdes, de cano abaixo dos joelhos. Na cabeça, ele usa uma faixa branca, amarrada de lado, que protege um ferimento no lado frontal direito. O defensor segura, com as duas mãos, o nono bastão, que completa o nome do seu arcano. Ele se apoia no bastão, mantendo-o junto ao corpo, próximo do coração e da cabeça. Sob seus pés a terra é árida, ao longe, além da barreira, a terra é verde e fértil.

Na imagem original, o rapaz encontra-se sobre uma superfície plana como um tablado ou palco e a paisagem ao fundo se parece com um cenário. O perigo, a ameaça ou risco que ele aguarda não aparecem na cena.

ASSOCIAÇÕES

Mecanismos de defesa: segundo Arthur Waite, em seu livro de 1910, A Chave Ilustrada do Tarô, o personagem que ilustra o Nove de Paus aguarda a chegada de um inimigo. Essa expectativa de ataque coloca o rapaz em estado de alerta constante. A expectativa de uma ameaça futura é um exemplo de perigo imaginado. Apesar de haver a probabilidade de que o inimigo realmente chegue, neste exato momento, o inimigo não está presente e tudo está calmo. No entanto, a imaginação antecipa o acionamento do mecanismo de defesa que ativa o corpo para o contra-ataque (raiva) ou para a fuga (medo).

Uma reação de defesa automática e instintiva está disponível em qualquer organismo saudável e relaxado. Essa reação faz parte do arsenal natural de autopreservação de todo ser. No entanto a expectativa faz com que a pessoa deixe o estado necessário de relaxamento natural e que assuma uma postura tensa e contraída desde antes do perigo. Esse estado antecipado de medo e preocupação com um perigo futuro caracteriza a ansiedade. A ansiedade desequilibra o mecanismo de defesa, pois não permite a calibragem (que é feita em repouso) do sistema de defesa.

Paliçada: as varas, em número de oito, sugerem resistência e solidez, tanto que o protetor confia seu ponto cego a elas. Uma barreira sólida é criada como resultado de um medo constante. O medo de sofrer um ataque cria barreiras que separam a pessoa de si mesma e dos outros. A maior parte das vezes, as barreiras imaginárias servem para separar a pessoa da verdade que ela não quer ver. O que ela não quer ver é jogado no inconsciente e, neste caso, a barreira passa a separar a consciência da inconsciência.

Cores das roupas: o branco e o vermelho simbolizam a paixão e a virtude. Estas cores aparecem em muitos outros arcanos, como nas roupas de O Mago – arcano I, assim como nas cores das rosas e dos lírios. Estas cores podem simbolizar que o defensor luta por uma causa pela qual nutre paixão, luta por senso de dever ou por ambos.

O ferimento na cabeça: o rapaz tem um trauma na cabeça que ainda não curou. Esse trauma pode ter acontecido há muito tempo, mas ainda não foi curado. Esse trauma, com o tempo, pode afetar o julgamento saudável, ou seja, pode afetar o pensamento e interferir na percepção clara dele em relação à realidade. Com o discernimento prejudicado ele pode não conseguir distinguir um perigo real com clareza e vir a ser vítima de abusos dos quais pode vir a não conseguir se defender de maneira eficiente.

O perigo que não está em cena: o rapaz está na expectativa de sofrer um ataque. Esse ataque pode vir ou não a acontecer, no entanto, o estado permanente de alerta e a adrenalina constante na corrente sanguínea cobram o seu preço: a adrenalina constante intoxica o corpo físico e afeta o mental e o emocional. A pessoa que vive ansiosa sente-se fatigada, apática, sem energia, com dificuldades em prestar atenção, incapaz de se concentrar, apresenta mudanças do seu humor, sente raiva e pode ficar hostil. O estado de ansiedade constante atrofia as habilidades intelectuais, criativas e afetivas. Ela passa a ver a vida de forma binária – perigo e não perigo.

O bastão junto ao coração e à cabeça: pode sugerir que o perigo do qual ele se defende pode não estar relacionado diretamente com a esfera física e sim com as esferas psíquica e emocional.  O medo em si é uma emoção. Medo de ser rejeitado, de ser magoado, de ser traído, medo da solidão, medo de desfigurar-se, medo da morte são todos emoções que interferem no nosso estado mental.

Piso em forma de palco: pode sugerir queo desenrolar da história aconteça no teatro mental. A expectativa de um ataque, de um perigo coloca o defensor em alerta. Essa ameaça para qual ele se prepara pode não ser um perigo físico, mas um risco imaginado. Talvez uma questão intelectual esteja sob ataque e seu sentimento correspondente mobilize as defesas do rapaz.  A grande maioria das ameaças que identificamos como tal não são físicas, não colocam nossa segurança material em risco. Geralmente, nossas defesas se armam fisicamente para proteger nossos conceitos filosóficos, valores, pontos de vista e conceitos morais. Isso acontece porque as ideias, com as quais nos identificamos, são tratadas como se fossem parte integrante de quem somos. Quando essas ideias são questionadas, discutidas ou postas em xeque, sentimos como se nós mesmos fôssemos questionados ou postos em xeque. A identificação que fazemos com as nossas próprias ideias e imagens mentais nos faz sentir que as atacar é o mesmo que nos atacar.

Quando uma crença nossa é contestada, sentimos como se nós também fôssemos contestados. Quando uma crença nossa está errada, sentimos que nós estamos errados. E, na balança da dualidade, estar errado é ser um perdedor, o que equivale a ser sentenciado à extinção. Então, por meio desses mecanismos psicológicos, qualquer discussão por ideias pode virar uma luta de vida ou morte. As reações emocionais desequilibradas e desproporcionais causadas, também, pela ansiedade constante aumentam o real valor da situação e, de repente, uma agressão verbal retorna em forma de agressão física. Daí uma “bola de neve” começa a crescer e, por conta de reações em cadeia, consequências graves podem se acumular a partir de um incidente fugaz.  

Nesse tipo de defesa, voltada para um perigo imaginário, na qual o que está em jogo é quem está certo e quem está errado, as argumentações são tendenciosas e a verdade é distorcida para provar que eu estou certo e o outro está errado. Como diz o dito popular: numa guerra, a primeira vítima é a verdade. Essas batalhas de certo e errado caracterizam o Dois de Espadas.

O arcano Nove de Paus, do padrão RWS, sinaliza um estado interior de tensão e ansiedade. A imaginação de um perigo ou a aproximação de um perigo esperado ativa antecipadamente o mecanismo de defesa do organismo, dando disposição para a luta ou para a fuga, caso seja necessário. Esse estado de alerta constante gasta muita energia, causando fadiga, desânimo e apatia. Além disso provoca desatenção, irritação e mau humor.

Quando acionado muito cedo ou se permanecer acionado sem a presença de um perigo físico iminente, esse desgaste físico, mental e emocional descompensa o sistema de defesa e deixa a pessoa indefesa ou mal preparada quando realmente precisar se defender de um perigo real.

As defesas do corpo existem para nos proteger dos perigos que colocam nossa integridade física em risco. Não se destinam a defender pontos de vista ou a evitar a dor de um coração partido. Estar em estado de alerta, sem tensão nem ansiedade, permite uma reação mais adequada diante de um perigo real.

Todos nós somos habilitados, pela natureza, por um sistema de defesa automático e instintivo que é acionado em fração de segundo quando necessário. Este sistema de defesa precisa estar relaxado para estar calibrado e pronto para entrar em ação.

A vida tem seus riscos, mas nem por isso, deve ser vivida num campo de batalha. Cuidado com o que o medo e a ansiedade podem te causar. O estado de alerta constante consome as energias e prejudica os relacionamentos com os outros e consigo mesmo. A vida perde a beleza e entra no modo combate. No final, o que parecia ser uma defesa se mostra uma desvantagem. Não transforme a armadura numa camisa de força. Relaxe e viva, assim, quando precisar lutar, seu mecanismo de defesa estará calibrado e disponível para agir automaticamente e instintivamente em sua defesa.

MENSAGEM

O estado de defesa é decretado quando há riscos à segurança.

CONSELHO

Fique atento para os riscos sem, contudo, ficar neurótico.

PALAVRAS-CHAVE

Montar guarda, vigiar, cuidar, defender, proteger, protecionismo. Contra-ataque. Disposição para lutar, se preciso for, para defender algo ou alguém, além de defender ideias e ideais. Mecanismo de defesa luta-fuga, estresse, ansiedade e tensão. Estado de defesa, alerta, atenção. Defender o posto, a posição, o emprego, o campo, a economia, o mercado, o ponto de vista, as fronteiras, os limites estipulados, a lei, as crenças, a religião, a liberdade, a autoimagem idealizada, as ideias etc.